*A Pintura Chinesa:
Para um ocidental a aproximação à pintura chinesa se efetua através de um caminho cheio de dificuldades.
Não só se encontra confrontado com umas técnicas, suportes e formatos
que lhe resultam caros, mas também com um conceito do espaço diferente
ao seu e sobretudo com um sentimento de natureza e da vida absolutamente
estranhos a sua própria estrutura mental. No Ocidente, escritura e
imagem estão radicalmente dissociadas, o conceito de pintura se baseia
sobre o do quadro enquanto que uma “janela aberta para o mundo” (e
portanto com um “marco” que limita o campo de visão) e a imagem do
pintor è a de um “profissional” que até o nosso século, quando abriu uma
passagem as concepções abstratas, produzindo-se uma liberação e uma
diversificação nas atitudes – buscava a procura de um prazer estético ao
mesmo tempo que imitava com a maior fidelidade possível as aparências
da realidade visual em suas proporções dos elementos da natureza ou em
suas ilustrações do dogma ou da história. Dentro desta linha de
simplificações podemos acrescentar que seu conceito de espaço é
fundamentalmente unitário e imóvel, baseado nas leis da perspectiva
central (e por conseguinte com todas as linhas da representação
convergindo num único ponto de fuga) e que sua noção da forma é
essencialmente plástica, tridimensional, procurando sempre representar o
volume mediante o moldado e uma correta aplicação das luzes e das
sombras. Pois bem: todas estas noções se encontram negadas total ou
parcialmente na pintura chinesa. Generalizando, como fizemos
anteriormente, podemos dizer que a pintura chinesa, realizada usualmente
sobre papel ou sobre seda formando rolos horizontais (cheu) ou
verticais (shu-kiüen), não parte da existência do marco, negando-se
assim a circunscrever o espaço tal como se faz na pintura ocidental e
avaliando os vazios de uma forma desconhecida nesta pintura. Por outra
parte, não pressupõe um ponto de vista único e um espectador imóvel: ao
contrário, ao abrirmos o rolo assistimos a uma sucessão de cenas com
diferentes pontos de fuga e o espectador se vê convidado a percorrer a
paisagem entrando por seus vales, cruzando as pontes que atravessam os
rios, parando diante de arvores agitadas pelo vento ou escalando os
cumes das montanhas.
Alguns autores compararam esta visão espacial à sensação que se
experimenta diante de uma sucessão fílmica de imagens; outros, à de uma
paisagem vista através da janela de um trem. As comparações são
forçosamente imprecisas e com toda certeza impróprias, mas o certo é que
na pintura chinesa se configura um universo e um sentido do espaço
essencialmente dinâmicos e que o espectador é impelido para o interior
da paisagem. Embora se utilize mais de um método de perspectiva, a visão
chinesa do espaço é geralmente panorâmica. Ao contrário do que sucede
na pintura ocidental, se pressupõe que a linha do horizonte para onde
convergem todos os pontos de fuga não está situada na frente mas atrás
do espectador e isso tem como conseqüência que ao serem projetados sobre
a superfície pictórica discordam com a distância. Por outra parte, e
acostumados por seus hábitos de leitura, percorrem a imagem da direita
para a esquerda e de cima para baixo, o pintor chinês tende a enfocar a
paisagem do mesmo modo: como o vôo de um pássaro e seguindo uma linha
diagonal que vai desde o ângulo superior direito ao inferior esquerdo. O
resultado de tudo isso é a consecução de umas amplitudes espaciais
desconhecidas na arte ocidental. A natureza, limitada, cobra dimensões
quase cósmicas e, ao se sentir imerso nelas, o homem cobra consciência
de sua própria infância.
O conceito da forma também é diferente na pintura chinesa. Esta pintura
não procura realçar a plasticidade das formas acentuando, através de
sombras, seu volume. Ao contrário, se centra em extrair, através da
linha, seus ritmos essenciais e característicos e rejeita portanto se
utilizar das sombras que não constituem nada mais que um elemento
acidental que pode contribuir para velar a verdadeira essência das
coisas. Com isso nos enfrentamos às noções diferentes de “realismo” que
utilizam a pintura ocidental e a chinesa. Para a primeira, o conceito de
realismo se baseia na transcrição fiel da realidade visual e na
representação do concreto e portanto do acidental. Para esta última, uma
visão semelhante do fato pictórico não tem sentido, salvo talvez no
campo do retrato. Os pintores chineses estudam minuciosa e amorosamente
as árvores, flores ou os pássaros e se esforçam em captar sua
individualidade; mas o que lhes interessa é registrarem o seu ser íntimo
e não sua superfície e muito menos qualquer aspecto acidental, pois sua
visão da pintura não se detem na representação do concreto. Ao
contrário, o trabalho pictórico é um meio de entrar em contato com a
harmonia cósmica, um exercício destinado a descobrir os ritmos vitais da
natureza ou a expressar sentimentos e idéias universais que se revelam
através do artista e de sua comunhão com a natureza. Desse modo, podemos
considerar que toda a pintura chinesa tem um caráter simbólico dado que
a representação das montanhas, árvores ou rios é utilizada apenas como
veículo de expressão para sentimentos ou noções abstratas. Por outra
parte, ao ser entendido assim, o exercício da pintura, se converte numa
das mais altas atividades humanas e ao mesmo tempo num meio de
aperfeiçoamento pessoal, adquirindo uma natureza quase religiosa. Antes
de começar a pintar, os preceptores afirmarão, o artista deverá ter
alcançado um estado determinado de pureza e equilíbrio que lhe permita
se inserir nas forças do universo; do mesmo modo, a contemplação exige
um estado de ânimo propício.
fonte:http://www.portalartes.com.br/pintura-oriental/182-a-pintura-chinesa.html
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